DO HAITI PARA O HAITI: MUITOS ENCONTROS EM SOLO BRASILEIRO

Visita de Jovens haitianos à CASP leva à partilha sobre as diversas formas de solidariedade


Os jovens compartilham a experiência da Caritas do Haiti.

A viagem foi longa desde Porto Príncipe. A programação de acolhida em São Paulo quase não os deixou descansar. E eles ainda não haviam conseguido conversar com as famílias que ficaram em casa. Mas na manhã de sexta-feira, quando chegaram à sede da Caritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP), Venia, Marjorie, Johny e Myrline esbanjaram simpatia – e esta foi a melhor forma de comunicação com aqueles que não conseguiam falar francês ou crioulo (seus idiomas nacionais) ou mesmo o esforçado espanhol que os visitantes ensaiavam!

Foi deste modo gentil que eles se fizeram entender, até que uma outra visita os surpreendesse, cumprimentando-os em crioulo. Gabrielle é neta de haitianos e, desde o Canadá e dos Estados Unidos, veio ao Brasil para participar de pesquisas sobre direitos humanos. Mantém-se, porém, próxima às suas raízes, pelo idioma e pelas pesquisas que realiza.

A sintonia entre ela e os demais visitantes foi imediata e os sorrisos se multiplicaram quando começaram a falar da culinária, do ritmo do compá e das belezas naturais do Haiti, onde Gabrielle passava as férias de verão na sua infância.

Este encontro inesperado ocorreu porque Venia, Marjorie, Johny e Myrline vieram ao Brasil para participarem da Jornada Mundial da Juventude (no Rio de Janeiro) e do Encontro Internacional dos Jovens das Caritas (em Belo Horizonte). Acolhidos pela Caritas Regional de São Paulo e hospedados pelas CEBS da Região Episcopal de Belém, eles visitaram programas sociais da Igreja Católica em São Paulo. Um deles foi o Centro de Acolhida para Refugiados mantido pela CASP. Ali, solicitantes de refúgio e refugiados - estrangeiros que necessitam da proteção internacional por sofrerem perseguições injustas em seus países – recebem apoio e assistência em diversas áreas.

O Centro de Acolhida também recebe e orienta pessoas vindas do Haiti, que buscam o Brasil para superar a dura realidade marcada pela instabilidade política e econômica e pelos trágicos efeitos do terremoto que atingiu seu país em 2010.

O governo brasileiro firmou o entendimento de que a situação do Haiti não é causa para reconhecer os nacionais daquele país como refugiados. Mas optou por elaborar medidas alternativas para a entrada ou a regularização da permanência dos haitianos em território brasileiro.

Para esta regularização, aqueles que do Haiti sem documentos ou sem visto de entrada, podem fazer a solicitação de refúgio às autoridades brasileiras. A decisão final, neste caso, não é tomada pelo Comitê Nacional para Refugiados, mas pelo Conselho Nacional de Imigração, que é encarregado de avaliar a existência da necessidade humanitária que leva à concessão de um visto de permanência especial aos haitianos.

De todo modo, o Centro de Acolhida para Refugiados da CASP auxilia a todos - e o atendimento à população haitiana representa uma parte bastante significativa de suas atividades: mais da metade das novas solicitações de refúgio no primeiro semestre de 2013 foi de haitianos.

Na CASP, eles recebem auxílio para o procedimento junto ao governo, orientação para a obtenção dos documentos de permanência e de trabalho e apoio para necessidades de moradia, saúde e integração.

Mas é pela parceria da CASO com outras organizações e com outros programas da Igreja Católica que o atendimento direto dos haitianos pode ocorrer em diversos aspectos.

Na Casa do Migrante, por exemplo, há abrigo e alimentação, além de outros serviços prestados pela Missão Paz (dos Padres Scalabrinianos). Tudo está disponível para estrangeiros em geral e, obviamente, para a população vinda do Haiti.
Foi no refeitório da Casa da Migrante, aliás, que Venia, Marjorie, Johny e Myrline almoçaram depois da visita à CASP.

Mas antes que se fossem, foram convidados a falar sobre a sua experiência de trabalho na Caritas do Haiti.

Vindos de regiões diferentes do país (Jérémie, Jacmel, Port-au-Prince e Hinche), os quatro jovens contaram o que tem sido desempenhado pela Caritas na superação dos tantos desafios impostos povo do Haiti.

E, diga-se de passagem, a descrição que fizeram foi impressionante! Com oito programas espalhados pelo Haiti, a Caritas nacional atua nas realidades que mais afetam a vida da população: ensina-se técnicas de plantio e de cuidados com a terra para uma melhor agricultura; oferece-se médicos e enfermeiros em todas as dioceses; mantém-se abrigos para aqueles que perderam suas casas no terremoto; realiza-se atividades de saneamento básico; promove-se a capacitação profissional e o convívio saudável da juventude; estimula-se mecanismos alternativos de desenvolvimento e de economia solidária; e acolhe-se os haitianos deportados da República Dominicana, promovendo a reunião de famílias, a obtenção de documentos para uma nova tentativa de emigração e o restabelecimento da dignidade e da saúde daqueles que buscaram alternativas fora do Haiti.

Embora este último programa (de proteção social) conecte-se bastante com o trabalho do Centro de Acolhida da CASP, foi sobre o projeto de economia solidária que Venia, Marjorie, Johny e Myrline mais se ativeram. Uma das missões destes jovens no Brasil é exatamente a de ter absorver a experiência da Caritas Brasileira, para aprimorar as atividades de produção e consumo local de produtos no Haiti, como forma de estímulo econômico. É por isso, aliás, que dois deles farão um estágio de um mês em Brasília, após o encerramento da Jornada Mundial no Rio de Janeiro.
Só depois disso, voltarão par casa!

De Porto Príncipe a São Paulo e, então, a Belo Horizonte, seguindo para o Rio de Janeiro e, enfim, para Brasília. Uma jornada e tanto passava pela mesa da Caritas Arquidiocesana de São Paulo naquela manhã de sexta-feira. Ali,em solo brasileiro, muitas vidas do Haiti para o Haiti se encontraram: quatro jovens querendo melhorar o seu país, uma neta cultivando o idioma da sua avó e tantos homens e mulheres buscando a dignidade em outras terras, sempre esperando solidariedade onde quer que estejam.

Muitos não estavam sentados à mesa, mas suas vidas falaram aos demais, reforçando que seus trabalhos tratam da solidariedade que é preciso fazer crescer independente para além de qualquer fronteira.